O grupo Antiéticos, do Rio de Janeiro, tem sua lente nos descaminhos da sociedade. Seu rap é resultado das escolhas, reflexões e ações em meio ao entorpecimento promovido pela “estabilidade econômica”, um dos fenômenos que criam mais consumidores e menos cidadãos. Nas rimas do Antiéticos, a crítica social, considerada por muitos como uma das causas do “atraso” do rap, tem o mesmo espaço que o discurso sobre o orgulho africano. O grupo, que lança hoje “Antes que as Estrelas se Apaguem”, sua mixtape, conversou com o CHH e falou sobre política e cultura negra. Leia a íntegra da entrevista abaixo.
Central Hip-Hop (CHH): Por que Antiéticos?
Antiéticos: Ética é um nome que inventaram pra representar um conjunto de normas e princípios da boa conduta humana. Seria um conjunto de valores que direcionam os humanos a um bem-estar, conservando sua vida, logo, a vida do seu grupo. E a gente passou a observar que primeiro, isso é uma definição grega. Segundo, esses princípios conservam sim, a vida e o bem-estar, mas de um grupo que se definiu humano sozinho. Os outros tiveram que provar.
A medida em que eles são éticos, que possuem suas boas condutas, suas normas, seus princípios, os outros grupos são mortos. Aí a gente pensou: “ué, como é que pode?” (risos). Não! Essa ética aí, esses princípios, esses valores não estão favorecendo a nossa humanidade. O ser humano não é mal, não destrói o mundo.
Nunca foi dada a chance da gente administrar o controle do mundo, nem os indígenas, nem os orientais. Então não tem nada de errado com os seres, tem com um grupo: o grupo que administra o mundo hoje, o mesmo que vai nos ver como transgressores, fora do padrão, pois a gente acaba pondo em risco o conforto deles.
Então “Antiéticos” surge desse “biri-bôlo” de idéias desse tipo aí (risos). Não seria ausência da ética, nem pessoas sem escrúpulos, nada disso. Não seria nesse sentido, mas sim, um desacordo.
CHH: Desenvolver uma proposta contra-hegemônica é viável?
Antiéticos: Sim. Sempre seremos a favor de alternativas, de possibilidades. Sempre seremos a favor da criação e descoberta de novas áreas de conhecimento, de cultura. Pra nós, não é apenas viável, é necessário para nossa sobrevivência. Hegemonia é entendida por nós como uma imposição, uma supremacia cultural de um determinado grupo sobre outro que não permite autonomias, não reconhece o outro como complementar. Mas sim, como inimigo. Então se impõe, sem permitir que o outro se desenvolva por si só, anula o nosso autoconhecimento e veta nossa capacidade criadora, capacidade de criar para o nosso grupo.
O grupo hegemônico só permite que você crie pra ele, que você faça pra beneficio dele. Esse grupo está aí, matou, escravizou, estuprou, tomou as terras, construiu fábricas e hoje quer determinar como deve ser o rap. Afinal, eles acabam sendo os possuidores dos recursos, dinheiro. E isso ilude, engana nosso povo.
Através de vários aparelhos, eles reforçam, reafirmam suas idéias o tempo todo. Tem hora que parte da nossa comunidade passa a acreditar. Então, tudo que for contra a hegemonia, a homogenia também (risos), tudo que provoque uma nova possibilidade que venha resgatar a auto-estima, os valores ancestrais, a felicidade e o sorriso do nosso povo, nós seremos a favor.
Numa sociedade que só produz ódio, amar já se tornou contra-hegemônico. A gente se amando, se protegendo já estamos num bom caminho com certeza. Não é apenas viável, mas acaba se tornando necessário para nossa sobrevivência.
Continue lendo